A Procuradoria Regional Eleitoral no Amazonas
(PRE/AM) pediu a cassação do registro ou diploma do deputado estadual
eleito Ricardo Nicolau e o pai dele, Luiz Fernando Nicolau, eleito como
suplente de deputado federal, por compra de votos e prática de conduta
vedada. A representação eleitoral também inclui o filho de Luiz
Fernando, Luiz Alberto Saldanha Nicolau, sócio majoritário e
administrador do Hospital Samel.
A ação de investigação judicial
eleitoral apresentada no início da semana passada pela PRE/AM ao
Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE/AM) é resultado de um
inquérito civil público instaurado no PRE/AM, que apurou denúncias de
eleitores, certificando que os dois políticos usaram o Hospital Samel e
as organizações não-governamentais Sociedade Pró-Saúde do Amazonas e
Instituto Pró-Social do Amazonas para fins eleitoreiros.
No
inquérito, consta cópia de denúncia anônima confirmando que, no período
eleitoral de 2010, a Sociedade Pró-Saúde inaugurou um ambulatório médico
que servia de comitê por parte do deputado e do suplente. Consta também
uma carta aos leitores/eleitores pedindo apoio nas eleições, lembrando
que os dois trabalham incessantemente prestando serviços na entidade.
Compra de votos
Em
outubro deste ano, um eleitor apresentou à PRE/AM gravação de vídeo em
celular em que uma mulher aparece oferecendo o cadastro na Sociedade
Pró-Saúde e pedindo votos a Luiz Fernando e a Ricardo Nicolau. Ela
ofereceria plano de saúde completo, sem qualquer custo para o
beneficiário.
Durante a ação, a mulher ainda
distribuiria panfletos de propaganda eleitoral dos então candidatos Luiz
Fernando e Ricardo Nicolau, vinculando o nome e a imagem deles aos
serviços gratuitos oferecidos pela Sociedade Pró-Saúde e pelo
recém-inaugurado Centro Odontológico Oscar Nicolau, frisando a
participação deles na instituição de saúde.
Para a PRE/AM, o fato
caracteriza a compra de votos, prevista como ilegalidade no artigo 41-A
da Lei 9.504/97 e definida como “doar, oferecer, prometer, ou entregar,
ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de
qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro
da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de
mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma,
observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64,
de 18 de maio de 1990”.
Denúncias
Em
2006, o PRE/AM recebeu a denúncia de que uma equipe da ong visitou a
casa de uma eleitora, fez o cadastro e emitiu uma carteira com as
imagens de Luiz Fernando e Ricardo Nicolau. O documento daria direito a
receber consultas e fazer exames gratuitamente na clínica Sociedade
Pró-Saúde, antes das eleições.
Após as eleições, quando a
eleitora retornou para receber os resultados dos exames no Hospital
Samel, o atendente informou que a clínica era particular e que ela teria
que desembolsar a quantia de R$ 15 por consulta. Nos exames da paciente
está gravado "cortesia pró-saúde".
Questionado sobre a ligação
entre as duas entidades, Luiz Alberto Saldanha Nicolau, sócio
majoritário a administrador do Hospital Samel, disse não haver qualquer
relação formal ou convênio entre o hospital e a entidade Pró-Saúde.
Sobre as cortesias, ele afirmou que o fato ocorre esporadicamente, a
pedido do pai dele, Luiz Fernando Nicolau, de algum amigo ou cliente
importante.
Em 2009, a pedido do PRE/AM, a Polícia Federal
apreendeu mídias (HDs) contendo várias tabelas, dentre elas uma com a
sigla "CAELE" que, no entendimento da PRE/AM, significa 'cadastro de
eleitores'. A mesma tabela contém duas colunas, uma com o título "zona" e
a outra com o título "sessão".
Nos HD's também foram encontrados
panfletos de candidatos como Wilton Lira, Omar Aziz, Sabá Reis e dos
próprios Luiz Fernando e Ricardo Nicolau, além de uma carta de Nicolau
apoiando a candidatura de Wilton Lira para vereador nas eleições
municipais de 2008.
Exigência ilegal
O
título de eleitor pode ser exigido somente para o exercício do voto ou
da candidatura eleitoral, ou ainda para atender a situações da vida
civil que dependem da comprovação da votação, descritas no artigo 7º,
§1º, do Código Eleitoral.
A exigência de apresentação do título
de eleitor em outras situações, como é o caso de inscrição em programa
social, caracteriza um possível cerceamento à liberdade do voto, já que o
eleitor, ao ser beneficiado com um atendimento médico aparentemente
filantrópico, sente-se coagido psicologicamente a votar nos candidatos
envolvidos com tal prática.
Convênio com o Estado
O
Instituto Pró-Social do Amazonas, ligado aos políticos, firmou convênio
este ano com a Secretaria de Estado de Assistência Social (Seas) para
execução de programa social no valor de R$ 1 milhão, repassados em três
parcelas nos meses de junho, julho e agosto deste ano.
A Lei nº.
9.504/97 prevê, no artigo 73, IV, que “são proibidas aos agentes
públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a
igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: IV -
fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido
político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de
caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público”.
Na
legislação consta ainda, no mesmo artigo, §10º, que “no ano em que se
realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores
ou benefícios por parte da Administração Pública”. O §11 complementa,
determinando que “nos anos eleitorais, os programas sociais de que trata
o §10 não poderão ser executados por entidade nominalmente vinculada a
candidato ou por esse mantida”.
Ricardo Nicolau é autor de
projetos na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (ALE/AM) que
declararam a utilidade pública da Sociedade Pró-Saúde do Amazonas e do
Instituto Pró-Social do Amazonas.
Para o procurador regional
eleitoral, Edmilson da Costa Barreiros Júnior, políticos que associam os
nomes a entidades assistencialistas com o objetivo de obter votos, não
estão realmente comprometidos com os interesses da população. “Se a
exploração eleitoreira das carências da população é rentável, qual será o
interesse do político, uma vez alçado ao poder, em lutar para reverter o
quadro de carência, se a manutenção deste quadro de necessidade é
fundamental para a construção de seu curral eleitoral?”, questionou.
O
procurador acrescentou que o caso demonstra que não houve interesse
maior na solução dos problemas de saúde pública no estado. “O interesse
do parlamentar pelas carências na área de saúde não resultaram em
iniciativas públicas de solução do problema, como seria o esperado de um
mandatário. Resultaram, isto sim, na definição de crescimento de sua
atividade privada, de onde extrai dividendos eleitoreiros”, afirmou
Barreiros.